Já pensou ser preso por realizar e divulgar uma pesquisa jurimétrica?
É muito Black Mirror, não é?
Mas é possível.
Isso pode acontecer na França que, no dia 23 de março de 2019, promulgou a Lei 2019-222, que trata da programação da judiciária do país até 2022. O artigo 33 da referida legislação prevê que “os dados de identidade de magistrados e servidores do Judiciário não podem ser reutilizados com o objetivo ou efeito de avaliar, analisar, comparar ou prever suas práticas profissionais, reais ou supostas".
E qual é a punição para quem infringir a lei?
A pena pode chegar até cinco anos de prisão. Sim, isso mesmo que você leu, a divulgação de dados estatísticos sobre o Judiciário francês pode levar à pena de reclusão por 5 (cinco) anos.
Aqui no Brasil, para fins de comparação, são punidos com pena de reclusão de até 5 (cinco) anos, a importunação sexual (art. 215-A do CP), a corrupção de menores (art. 218 do CP), o favorecimento da prostituição (art. 228 do CP), a promoção da migração ilegal (art. 232-A do CP) e o tráfico de influência (art. 332 do CP) por exemplo.
Mas qual a justificativa para a proibição?
Segundo o site Artificial Lawyer, o Judiciário francês estava incomodado com o uso de inteligência artificial para analisar como são decididas as causas e como é o comportamento dos(as) juízes(as) em determinados assuntos com o objetivo de tentar predizer o resultado de julgamentos e fazer comparações entre magistrados(as).
Rodas (2019) destaca que a proibição foi avalizada pelo Conselho Constitucional da França. A corte considerou que os parlamentares franceses buscaram impedir que a coleta de dados em massa seja usada para pressionar juízes a decidir de determinada forma ou para desenhar estratégias que possam prejudicar o funcionamento do Judiciário.
Vale ressaltar que a criminalização ocorreu após a divulgação de uma pesquisa que se utilizou de inteligência artificial para analisar grande volume de dados sobre decisões judiciais. Na época, o autor da pesquisa feita (Michal Benesty) afirmou que não teria como realizar a sua investigação sem o uso de machine learning, tendo em vista o volume massivo de dados a ser investigado.
Benesty recebeu vários e-mails de juízes insatisfeitos, que alegavam que a pesquisa publicada poderia influenciar futuros julgamentos e violar o direito à privacidade.
Seria uma medida de quem tem algo a esconder?
Segundo Nunes, Corrêa e Trecenti (2019), tanto a anonimização como a proibição de reuso estão sendo criticadas pela comunidade em geral, especialmente pelos pesquisadores empíricos e participantes do mercado de legaltechs, por conta da limitação de acesso a dados considerados de interesse público e de suma importância para o estudo do funcionamento da justiça. A constitucionalista Damares Medina entende que a regra francesa parece uma medida de quem tem algo a esconder.
Já pensou se essa moda pega?
Marcelo Guedes Nunes, Fernando Corrêa e Julio Trecenti acham que a lei francesa é um excelente exemplo. Não para ser copiado, mas para iniciar os debates sobre um tema muito importante. Vale ressaltar que esse tipo de proibição é único no mundo e não se tem notícia de restrição à comparação de padrões judiciais em outro país.
Pois é... como diria Amelie Poulain: São tempos difíceis para os jurimetristas.
E você, o que você acha sobre essa medida do governo francês? Comenta aí.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
LOI n° 2019-222 du 23 mars 2019 de programmation 2018-2022 et de réforme pour la justice. Disponível em: https://www.legifrance.gouv.fr/eli/loi/2019/3/23/2019-222/jo/article_33. Acesso em 26 ago 2022.
NUNES, Marcelo Guedes; CORRêA, Fernando; TRECENTI, Julio. A lei francesa de acesso a dados judiciarios: algumas reflexos. algumas reflexos. 2019. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/304441/a-lei-francesa-de-acesso-a-dados-judiciarios--algumas-reflexoes. Acesso em: 26 ago. 2022.
RODAS, Sérgio. França proíbe divulgação de estatísticas sobre decisões judiciais. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jun-05/franca-proibe-divulgacao-estatisticas-decisoes-judiciais. Acesso em: 26 ago. 2022.
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